Algumas Considerações

terça-feira, 21 de abril de 2009

Oliver Sacks - O Homem que Confundiu Sua Mulher com um Chapéu (Parte I)

Interessado por questões que envolvem a mente humana e a percepção do mundo, me indicaram a ler um livro de Oliver Sacks (o tiozinho da foto) chamado "O Homem que confundiu sua mulher com um chapéu".
Esse livro é um relato de casos de patologias neurológicas interessantíssimas.

O bom desse livro é que ele não se foca tanto em aspectos técnicos de cada caso patológico (ou seja, não precisa ter um conhecimento muito aprofundado de neurociência) e trata de questões que vão além da análise metódica dos paciêntes.
Esse livro recebeu diversos elogios por sua linguagem, considerada como um verdadeiro ensaio literário.

Ainda estou lendo o livro, não conclui ainda, mas a medida que vou lendo vou fazendo aqui alguns relatos sobre o mesmo (como se fosse um diário), talvez um relato meu por semana, até concluir o livro, recomendo imensamente que comprem (ou baixem) o livro, é fantástico.

Ps: Lembrando que esse blog NÃO vai postar mais nada para download, em vista da possibilidade dele ser sumariamente deletado como já aconteceu antes (leia mais).
Então, não me peçam.


Introdução.
O descaso com o hemisfério-direito do cérebro.
O livro começa contando um pouco da história da neuropsicologia, iniciada por Freud, contando como todo estudo da neuropsicologia poderia ser considerado, na verdade, como o estudo do "lado-esquerdo" do cérebro.
O "lado-direito", diz o livro, sempre fora considerado inferior e mais primitivo que o esquerdo.
Ele nunca foi foco de muitos estudos, e muitos dos disturbios ocorridos no cerebro (ou os mais visíveis) são do lado-esquerdo.

O hemisfério esquerdo (racional e computista) é mais complexo e especializado, um produto bem mais tardio nos cérebros dos primatas.
O livro porém nos revela o papel fundamental do "lado-direito" e sua ligação com a nossa capacidade de reconhecer a realidade.

É tão importante julgar e sentir quanto categorizar, classificar e racionalizar.
A prova disso segue-se no caso abaixo, até agora, um dos mais interessantes que já li na minha vida.


O homem que confundiu sua mulher com um chapéu.
Relato clínico.
No livro há um interessante caso de um homem, chamado no livro de Dr. P, que tem uma saúde mental aparentemente perfeita (não há demência), é um homem culto e simpático, mas que possui curiosas falhas de percepção da realidade.

Uma falha interessante dele mostrada no livro é de não conseguir distinguir seu próprio pé do um sapato, Sacks em sua consulta pediu para ele tirar os sapatos, e depois, coloca-los de volta.
Dr. P ficou perplexo e olhava os próprios pés e dizia algo como "não coloquei os meus sapatos ainda, olha eles aqui" ?
Quando Sacks apontava para onde estavam os sapatos, Dr. P respondia, "pensei que aqueles fossem meus pés".
Surreal, e não era a única, ele também mania de confundir objetos com pessoas.

Vale lembrar que ele não era cego, conseguia enxergar as coisas com perfeição, mas não sabia interpretar o que via como um todo
.
Seu cerebro não interpretava de forma correta os objetos
.
O título desse livro se refere a uma estranha situação ocorrida nessa consulta em que Dr. P pegou a cabeça da sua mulher, e tentou "vestir" ela como se fosse um chapeu.


O interessante era saber que ele conseguia reconhecer formas abstratas, como um poliedro, mas não formas humanas.
Uma das partes mais intrigantes foi quando Sacks deu a ele uma flor e pediu para ele dizer o que era aquele objeto.

Ele conseguia definir bem todas as características da flor, mas não conseguia concluir que aquilo ela era uma flor.
Tinha dificuldades para chegar a tal conclusão, como podemos ver na parte que copiarei do livro aqui...

(...)
”Uns quinze centímetros de comprimento”, comentou.
”Uma forma vermelha em espiral, comum anexo linear verde”.

”Sim”, falei, encorajador, ”e o que o senhor acha que é isso, doutor P?” ?
”Não é fácil dizer”. Ele parecia perplexo.
”Não tem a simetria simples dos poliedros regulares, embora talvez possua uma simetria própria,
superior...
Acho que poderia ser uma inflorescência ou flor”.

”Poderia?”, insisti.

”Poderia”, ele confirmou
”Cheire”, sugeri, e ele outra vez pareceu um tanto desconcertado, como se eu lhe pedisse para cheirar uma simetria superior.
Mas cortesmente fez como pedi e levou a flor ao nariz.
Então, de repente, ele ganhou vida.
”Lindo!”, exclamou.
”Uma rosa têmpora. Que aroma divino!”
E começou a cantarolar ”Die Rose, die Lillie...”.
(...)

A realidade para ele, era trasmitida pelo olfato, pela audição (só reconhecia pessoas ouvindo-as) e não pela visão.

Algo interessante é contado sobre suas pinturas (ele era músico, pintor e lecionava numa universidade).
Sua doença fora se desenvolvendo gradativamente com o tempo, e suas pinturas foram ao mesmo tempo passando do naturalismo ao abstrato completo, um fascinante relato da poderosa combinação de patologia e criação.

Parte II
Parte III

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